O gerúndio flexionado no Sul de Portugal
[Pergunta]
Grande parte da minha família é do Algarve, e estou bastante habituado a
ouvir construções do tipo (embora pense que também seja comum no
Alentejo):
“Em fazendes isso, podes-te ir embora.”
“Em comendem a sopa, podem comer as batatas fritas.”
Parece uma espécie de flexão do gerúndio (que se nota na 2.ª pessoa do singular e 3.ª do plural) e que parte, penso eu, de expressões com o gerúndio como:
"Em tendo o dinheiro, posso comprar um carro novo" = "Quando tiver o dinheiro, posso comprar um carro novo", mas adaptadas consoante a pessoa:
"Em tendes o dinheiro..." = "Quando tiveres…"
"Em tendem o dinheiro..." = "Quando tiverem..."
Isto é tão comum que toda a gente, dos mais pequenos aos mais velhos, o usam. Está errado no português padrão, mas poder-se-á considerar correcto como regionalismo? Isto é, será aceitável o seu uso?
Se tiverem mais informações sobre este interessante “gerúndio flexionado”, agradecia imenso!
“Em fazendes isso, podes-te ir embora.”
“Em comendem a sopa, podem comer as batatas fritas.”
Parece uma espécie de flexão do gerúndio (que se nota na 2.ª pessoa do singular e 3.ª do plural) e que parte, penso eu, de expressões com o gerúndio como:
"Em tendo o dinheiro, posso comprar um carro novo" = "Quando tiver o dinheiro, posso comprar um carro novo", mas adaptadas consoante a pessoa:
"Em tendes o dinheiro..." = "Quando tiveres…"
"Em tendem o dinheiro..." = "Quando tiverem..."
Isto é tão comum que toda a gente, dos mais pequenos aos mais velhos, o usam. Está errado no português padrão, mas poder-se-á considerar correcto como regionalismo? Isto é, será aceitável o seu uso?
Se tiverem mais informações sobre este interessante “gerúndio flexionado”, agradecia imenso!
Luís Romão :: :: Portugal
[Resposta] Sim, o gerúndio flexionado
(é frequente chamar-lhe assim) é comum no Sul de Portugal, não só
nestas pessoas, mas inclusivamente na primeira pessoa do plural. No
Alentejo, a segunda pessoa do singular é «tendos» e não «tendes» (mas a
terceira do plural é «tendem»; é difícil perceber se a primeira do
plural é «têndemos» ou «têndomos»). Não sei se será de fa(c)to um
regionalismo, pois já tenho verificado que também é utilizado por
pessoas da área da norma, mas, de fa(c)to, o que se considera
normalmente é que é um regionalismo do Sul do nosso país (consideremos
então que é efe(c)tivamente assim).
De qualquer forma, estas formas não pertencem à língua padrão. Não percebo muito bem a questão que coloca, porque qualquer regionalismo é aceitável no sentido em que, em termos estritamente lingu[ü]ísticos, tudo aquilo que for consistentemente produzido por falantes nativos e não seja esporádico (não tenha ocorrido em circunstâncias especiais nem seja a cara(c)terística de um falante particular, por exemplo) está corre(c)to (pois não há formas de falar lingu[ü]isticamente superiores a outras, quer estas formas de falar sejam diale(c)tos ou línguas): aquilo de que se fala quando se fala de variantes incorre(c)tas tem a ver só com conotações sociais que estão associadas a essas variantes. O que quero dizer é que o falar das camadas cultas da região que vai de Lisboa a Coimbra não é em si mesmo melhor do que as restantes variedades da língua, apenas mais prestigiado social e culturalmente. Na verdade, aquilo que fixou esta variedade como a norma da língua não foi a sua superioridade lingu[ü]ística (que não existe), mas sim razões de ordem política e social. Essa diferença social entre expressões alternativas existe efe(c)tivamente e tem a vantagem de permitir que, evitando as diferenças, haja uma forma uniforme de falar e escrever, entendida por todos os falantes da língua e gerando menos equívocos. É de notar que a língua escrita segue a língua padrão, uma vez que o obje(c)tivo da existência de uma norma ortográfica é também a uniformidade e a boa compreensão.
A questão de o uso do gerúndio flexionado ser ou não aceitável enquanto regionalismo não me parece portanto pertinente. Por um lado, numa perspectiva lingu[ü]ística, não há formas mais ou menos aceitáveis. Por outro lado, numa perspectiva normativa, os regionalismos não pertencem à língua padrão. Ninguém pode impedir outra pessoa de falar como quer, mas os regionalismos devem ser evitados em circunstâncias mais formais.
De qualquer forma, estas formas não pertencem à língua padrão. Não percebo muito bem a questão que coloca, porque qualquer regionalismo é aceitável no sentido em que, em termos estritamente lingu[ü]ísticos, tudo aquilo que for consistentemente produzido por falantes nativos e não seja esporádico (não tenha ocorrido em circunstâncias especiais nem seja a cara(c)terística de um falante particular, por exemplo) está corre(c)to (pois não há formas de falar lingu[ü]isticamente superiores a outras, quer estas formas de falar sejam diale(c)tos ou línguas): aquilo de que se fala quando se fala de variantes incorre(c)tas tem a ver só com conotações sociais que estão associadas a essas variantes. O que quero dizer é que o falar das camadas cultas da região que vai de Lisboa a Coimbra não é em si mesmo melhor do que as restantes variedades da língua, apenas mais prestigiado social e culturalmente. Na verdade, aquilo que fixou esta variedade como a norma da língua não foi a sua superioridade lingu[ü]ística (que não existe), mas sim razões de ordem política e social. Essa diferença social entre expressões alternativas existe efe(c)tivamente e tem a vantagem de permitir que, evitando as diferenças, haja uma forma uniforme de falar e escrever, entendida por todos os falantes da língua e gerando menos equívocos. É de notar que a língua escrita segue a língua padrão, uma vez que o obje(c)tivo da existência de uma norma ortográfica é também a uniformidade e a boa compreensão.
A questão de o uso do gerúndio flexionado ser ou não aceitável enquanto regionalismo não me parece portanto pertinente. Por um lado, numa perspectiva lingu[ü]ística, não há formas mais ou menos aceitáveis. Por outro lado, numa perspectiva normativa, os regionalismos não pertencem à língua padrão. Ninguém pode impedir outra pessoa de falar como quer, mas os regionalismos devem ser evitados em circunstâncias mais formais.
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