Sunday, 12 January 2014

O complemento oblíquo «de cinema» («Nós gostamos de cinema»)

O complemento oblíquo «de cinema» («Nós gostamos de cinema»)

[Pergunta] Na frase «Nós gostamos de cinema», qual a função sintática do grupo «de cinema»? Tendo em conta o Dicionário Terminológico, terá a função de complemento oblíquo, certo? E na gramática tradicional? Qual a melhor explicação a dar aos alunos, de forma a que percebam estas alterações?

Maria Rodrigues :: Professora :: Lisboa, Portugal

[Resposta] De facto, pode tornar-se um pouco complexo explicar-se a razão pela qual «de cinema» é um complemento oblíquo, porque, se se tratasse de um caso de uma oração, seria classificada como oração completiva não finita (precedida pela preposição de), o que poderia induzir os alunos a concluir (erradamente) que se trata de um complemento direto (função sintática a que, frequentemente, se associam as orações completivas, denominadas orações integrantes na tradição gramatical luso-brasileira). E, sem a preposição de, o verbo gostar seleciona orações completivas finitas introduzidas pela conjunção que.
Repare-se nas seguintes frases:
«Nós gostamos de ir ao cinema.» [= «Nós gostamos de cinema.»]
«Nós gostamos que todos vão ao cinema.»
Tornar-se-á fácil explicar que «de cinema», tal como «de ir ao cinema» e «que todos vão ao cinema» «não podem ser [substituídos] nem retomados pelo pronome invariável o, o que mostra que as mesmas não têm a relação gramatical de complemento/objeto direto, já que não são marcadas com caso acusativo» (Mira Mateus et al., Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Caminho, 2003, p. 637), como se pode verificar pela agramaticalidade de tais substituições:
a) «Nós gostamos de cinema.»
    * «Nós o gostamos.» (agramatical)
b) «Nós gostamos de ir ao cinema.»
    * «Sim, nós o gostamos.» (agramatical)
c) «Nós gostamos que todos vão ao cinema.»
   * «Sim, nós o gostamos.» (agramatical)
Ora, como sabemos, todo o complemento selecionado pelo verbo que tenha a forma de grupo preposicional que, por sua vez, não é substituível pelo pronome pessoal na sua forma dativa lhe/lhes é classificado pelo Dicionário Terminológico como complemento oblíquo. Portanto, como todos «os argumentos (oracionais, pronominais e nominais) do verbo gostar são obrigatoriamente preposicionados» (Peres e Móia, Áreas Críticas da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 1995, p. 113), são casos de complementos oblíquos (exceto as orações).
d) «Nós gostamos de cinema.»
    * «Nós gostamos-lhe.» (agramatical)
e) «Nós gostamos de ir ao cinema.»
    * «Sim, nós lhe gostamos.» (agramatical)
f) «Nós gostamos que todos vão ao cinema.»
   * «Sim, nós lhe gostamos.» (agramatical).
Nota: Em situações de frases com outros verbos avaliativos e volitivos (cuja sintaxe não implique o uso de preposição), como é o caso de apreciar, detestar, tolerar, odiar, querer, estes selecionam argumentos internos com a relação gramatical de complemento direto.
Exemplos:
«Nós apreciamos/adoramos cinema.» [cinema = complemento direto]
«Nós detestamos/odiamos cinema.» [cinema = complemento direto]

Eunice Marta :: 29/02/2012

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