Cotidiano ( Letra: Chico Buarque)
Versão: Seu Jorge
Todo dia ela faz tudo sempre igual,
Me sacode as seis horas da manhã.
Me sorri um sorriso pontual,
E me beija com a boca de hortelã.
Todo dia ela diz que é pra eu me cuidar,
Essas coisas que diz toda mulher.
Diz que está me esperando pro jantar,
E me beija com a boca de café.
Todo dia eu só em penso em poder parar.
Meio-dia eu só penso em dizer não.
Depois penso na vida pra levar,
E me calo com a boca de feijão.
Seis da tarde como era de se esperar,
Ela pega e me espera no portão.
Diz que está muito louca pra beijar,
E me beija com a boca de paixão.
Toda noite ela diz pra eu não me afastar.
Meia-noite ela jura eterno amor,
E me aperta pra eu quase sufocar,
E me morde com a boca de pavor.
Thursday, 30 December 2010
Τὰ εἰς ἑαυτόν
Toda experiência passa a ser uma acontecência, não há mais fatos, mas sim padecimentos. É o resgate da palavra grega pathos, que é ela mesma percepção, experiência, e, igualmente, padecimento, vivência. A experiência, aquilo que é apreendido, é uma abertura ao mundo, um mundanizar, um projetar-se. Os pathe são, portanto, vivências e nada mais. Não são algo que esteja fora, nem que esteja dentro, pois a experiência já não se dissocia do ato de experienciar, o mundo é fruto de um mundanizar. Assim, já não há mais fatos, mas apenas o produto de uma atividade eminentemente existencial, onde a verdade fundamental ou originária é a própria não verdade, a aceitação da finitude do ser humano. Bsb, 12 de julho de 2010-07-12. 23h54. Adições em 13 de julho de 2010. 22h08, Bsb.
Schopenhauer - Die Welt als Wille und Vorstellung II
Schopenhauer afirma que a vida é “(...) ein Geschäft, das die Kosten nicht deckt.”[1]
[1] SCHOPENHAUER, Arthur. Die Welt als Wille und Vorstellung II – Capítulo 46 - Von der Nichtigkeit und dem Leiden des Lebens. Zürich: Diogenes, 2007. 671p.
“Demzufolge gleicht nun zunächst unser Leben einer Zahlung, die man in lauter kupferpfennigen zugezählt erhält und dann doch quittieren muß: es sind die Tage; die Quittung ist der Tod. Denn zuletzt verkündigt die Zeit den Urtheilsspruch der Natur über den Werth aller in ihr erscheinenden Wesen, indem sie sie vernichtet”[1]
[1] SCHOPENHAUER, Arthur. Die Welt als Wille und Vorstellung II – Kapitel 46 - Von der Nichtigkeit und dem Leiden des Lebens. Zürich: Diogenes, 2007. 672p.
“Weil nun aber unser Zustand vielmehr etwas ist, das besser nicht wäre; so trägt Alles, was uns umgiebt, die Spur hievon – gleich wie in der Hölle Alles nach Schwefel riecht, - indem Jegliches stets unvollkommen und trüglich, jedes Angenehme mit Unangenehmem versetzt, jeder Genuß immer nur ein halber ist, jedes Vergnügen seine eigene Störung, jede Erleichterung neue Beschwerde herbeiführt, jedes Hülfsmittel unserer täglichen und stündlichen Noth und alle Augenblicke im Stich läßt und seinen Dienst versagt”[1]
[1] SCHOPENHAUER, Arthur. Die Welt als Wille und Vorstellung II – Kapitel 46- Von der Nichtigkeit und dem Leiden des Lebens. Zürich: Diogenes, 2007. 676p.
A temporalidade faz parte da condição humana, ela pauta o nosso morrer cotidiano:
“Nun ist der Tod as zeitliche Ende der zeitlichen Erscheinung: aber sobald wir die Zeit wegnehmen, giebt es gar kein Ende mehr und hat dies Wort alle Bedeutung verloren.”[1]
[1] SCHOPENHAUER, Arthur. Die Welt als Wille und Vorstellung II – Capítulo 41 – Ueber den Tod und sein Verhältniß zur Unzerstörbarkeit unsers Wesens. Zürich: Diogenes, 2007. 567p.
CQC
μή μοι φθονήσητ᾽ ἄνδρες οἱ θεώμενοι,
εἰ πτωχὸς ὢν ἔπειτ᾽ ἐν Ἀθηναίοις λέγειν
μέλλω περὶ τῆς πόλεως, τρυγῳδίαν ποιῶν.
500τὸ γὰρ δίκαιον οἶδε καὶ τρυγῳδία.
ἐγὼ δὲ λέξω δεινὰ μὲν δίκαια δέ.
εἰ πτωχὸς ὢν ἔπειτ᾽ ἐν Ἀθηναίοις λέγειν
μέλλω περὶ τῆς πόλεως, τρυγῳδίαν ποιῶν.
500τὸ γὰρ δίκαιον οἶδε καὶ τρυγῳδία.
ἐγὼ δὲ λέξω δεινὰ μὲν δίκαια δέ.
[Não zangai comigo, ó senhores expectadores,
Se enquanto mendigo estou prestes a falar aos atenienses sobre a pólis, fazendo comédia.
Até mesmo a comédia sabe o que é justo.
Eu falarei coisas terríveis, porém justas.] Aristófanes, Acarnenses, 497-500, fala de Diceópolis.
Philosophia
Sêneca sobre como com a filosofia é possível deixar as angústias da inépcia humana (humanae imbecilliatis angustias):
"disputare cum Socrate licet, dubitare cum Carneade, cum Epicuro quiescere, hominis naturam cum Stoicis vincere, cum Cynicis excedere." (De Breuitate Vitae, 14, 2.)
[É possível debater com Sócrates, duvidar com Carnéades, tranquilizar-se com Epicuro, vencer a natureza do homem com os estóicos, e ultrapassá-la com os cínicos.]
"disputare cum Socrate licet, dubitare cum Carneade, cum Epicuro quiescere, hominis naturam cum Stoicis vincere, cum Cynicis excedere." (De Breuitate Vitae, 14, 2.)
[É possível debater com Sócrates, duvidar com Carnéades, tranquilizar-se com Epicuro, vencer a natureza do homem com os estóicos, e ultrapassá-la com os cínicos.]
nehm´ den Koffer in die Hand und verlasse das Land
"Ich schiebe die Wolken zur Seite
und beginn meine eigene Reise
nehm´ den Koffer in die Hand
und verlasse das Land" - Lass los, Lea-Marie Becker
und beginn meine eigene Reise
nehm´ den Koffer in die Hand
und verlasse das Land" - Lass los, Lea-Marie Becker
Beim Himmel, dieses Kind ist schön!
Mephistopheles
Du sollst das Muster aller Frauen
Nun bald leibhaftig vor dir sehn.
(...)
Faust
Beim Himmel, dieses Kind ist schön!
So etwas hab ich nie gesehn.
Sie ist so sitt – und tugendreich,
Und etwas schnippisch doch zugleich.
Der Lippe Rot, der Wange Licht,
Die Tage der Welt vergeß ich’s nicht!
[Mefistófeles:
Tu deverás ver o paradigma de todas as mulheres
Muito em breve em carne e osso diante de ti.
(...)
Fausto:
Pelos céus, como é Linda essa menina!
Tanto assim nunca tinha visto.
Ela é tão decente – e tão virtuosa,
E algo de atrevida também ao mesmo tempo.
O lábio vermelho, a luz da bochecha,
Não a esquecerei um dia sequer da minha vida.]
A democracia inexistente
"κύριος γὰρ ὢν ὁ δῆμος τῆς ψήφου, κύριος γίγνεται τῆς πολιτείας." - IX, 1, Pseudo-Aristóteles, Constituição dos Atenienses.
[Sendo o demos senhor da urna (lit. da pedrinha; do voto), torna-se senhor do Governo (politeia).] - Será mesmo?
[Sendo o demos senhor da urna (lit. da pedrinha; do voto), torna-se senhor do Governo (politeia).] - Será mesmo?
Das freiwillige Leben in Eis und Hochgebirge
"Philosophie, wie ich sie bisher verstanden und gelebt habe, ist das freiwillige Leben in Eis und Hochgebirge." Ecce Homo - Nietzsche
[Filosofia, como eu a entendi e vivi até agora, é a vida voluntária no gelo e em montanhas altas.]
[Filosofia, como eu a entendi e vivi até agora, é a vida voluntária no gelo e em montanhas altas.]
Hitler
"Aber alle Genialität der Aufmachung der Propaganda wird zu keinem Erfolg führen, wenn nicht ein fundamentaler Grundsatz immer gleich scharf berücksichtigt wird. Sie hat sich auf wenig zu beschränken und dieses ewig zu wiederholen. Die Beharrlichkeit ist hier wie bei so vielem auf der Welt die erste und wichtigste Voraussetzung zum Erfolg." Mein Kampf, Kap. 6 - Kriegspropaganda - Adolf Hitler
[Mas toda genialidade da apresentação da propaganda leva a nenhum sucesso, se um princípio fundamental não é sempre e agudamente considerado. Ela deve se limitar a poucas coisas e repetir estas eternamente. A tenacidade é aqui, como em tantas coisas no mundo, o primeiro e mais importante pressuposto para o sucesso.]
Dizem que desse trecho e, provavelmente, de outros desse mesmo capítulo do Mein Kampf, e, outrossim, de outras obras de propaganda nazista, nasceu o famoso ditado, errôneamente atribuído a Goebbels: "Uma mentira dita inúmeras vezes se torna verdade." É ainda mais surpreendente saber que Hitler foi alçado ao poder democraticamente, como líder do Partido Nacional-Socialista, mesmo depois de ter escrito o livro que escreveu.
[Mas toda genialidade da apresentação da propaganda leva a nenhum sucesso, se um princípio fundamental não é sempre e agudamente considerado. Ela deve se limitar a poucas coisas e repetir estas eternamente. A tenacidade é aqui, como em tantas coisas no mundo, o primeiro e mais importante pressuposto para o sucesso.]
Dizem que desse trecho e, provavelmente, de outros desse mesmo capítulo do Mein Kampf, e, outrossim, de outras obras de propaganda nazista, nasceu o famoso ditado, errôneamente atribuído a Goebbels: "Uma mentira dita inúmeras vezes se torna verdade." É ainda mais surpreendente saber que Hitler foi alçado ao poder democraticamente, como líder do Partido Nacional-Socialista, mesmo depois de ter escrito o livro que escreveu.
Wednesday, 29 December 2010
Irrt der Mensch
"Es irrt der Mensch solang' er strebt." [Erra o homem enquanto ele empenha-se arduamente por algo/ aspira a algo tenazmente ( no inglês: strives)]
Goethe, Faust, Der Herr, Prolog im Himmel, 317.
Goethe, Faust, Der Herr, Prolog im Himmel, 317.
desiderio urbis
"non dici potest quam flagrem desiderio urbis, quam vix harum rerum insulsitatem feram."
[Não se pode dizer com quão flagrante desejo pela cidade [lit. da urbe] ardo, quão mal suporto a insipidez dessas coisas.] Cícero, Epístolas Ad Atticum, V, 11.1.
[Não se pode dizer com quão flagrante desejo pela cidade [lit. da urbe] ardo, quão mal suporto a insipidez dessas coisas.] Cícero, Epístolas Ad Atticum, V, 11.1.
Thursday, 16 December 2010
Nescioquomodo
"Nescioquomodo enim minus mortem timet qui minus deliciarum novit in uita." Vegetius, Epitoma rei militaris, 1.3.5
Wednesday, 8 December 2010
Sêneca
"Numquam credideris felicem quemquam ex felicitate suspensum. Fragilibus innititur qui aduenticio latus est; exibit gaudium quod intrauit. At illud ex se ortum fidele firmumque est et crescit et ad extremum usque prosequitur: cetera quorum admiratio est uulgo in diem bona sunt. 'Quid ergo? non usui ac uoluptati esse possunt?' Quis negat? sed ita si illa ex nobis pendent, non ex illis nos. Omnia quae fortuna intuetur ita fructifera ac iucunda fiunt si qui habet illa se quoque habet, nec in rerum suarum postestate est."
[Nunca creias feliz aquele que depende de felicidade. Em fragilidades se sustenta o que é feliz com um adventício; sairá a alegria que entrou. E aquela [alegria] que tenazmente é originada de si e é firme, tanto cresce como prossegue até ao fim: As outras coisas pelas quais o vulgo tem admiração são boas efemeramente (lit. no dia). 'E então? não podem ser de uso e comprazimento?" Pelo contrário (lit. Quem nega?). Mas, de modo que, se elas dependem de nós, não nós delas. Todas as coisas contempladas pelo acaso se tornam de tal modo frutíferas e satisfatórias se aquele que as tem, tem também a si mesmo, e não está tomado pelos seus próprios bens (lit. não está em poder das suas próprias coisas).] Epístola 98, 1.
[Nunca creias feliz aquele que depende de felicidade. Em fragilidades se sustenta o que é feliz com um adventício; sairá a alegria que entrou. E aquela [alegria] que tenazmente é originada de si e é firme, tanto cresce como prossegue até ao fim: As outras coisas pelas quais o vulgo tem admiração são boas efemeramente (lit. no dia). 'E então? não podem ser de uso e comprazimento?" Pelo contrário (lit. Quem nega?). Mas, de modo que, se elas dependem de nós, não nós delas. Todas as coisas contempladas pelo acaso se tornam de tal modo frutíferas e satisfatórias se aquele que as tem, tem também a si mesmo, e não está tomado pelos seus próprios bens (lit. não está em poder das suas próprias coisas).] Epístola 98, 1.
Fernando Pessoa
Às vezes entre a tormenta, quando já umedeceu, raia uma nesga de céu, com que a alma se alimenta. Fernando Pessoa - Cancioneiro
Faz bem só pensar em ver
Seu corpo meio maduro.
Seus seios altos parecem
(Se ela estivesse deitada)
Dois montinhos que amanhecem
Sem ter que haver madrugada.
E a mão do seu braço branco
Assenta em palmo espalhado
Sobre a saliência do flanco
Do seu relevo tapado.
Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como?
Fernando Pessoa - Cancioneiro
Se fala na Ana não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a ama, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...
Alberto Caeiro - (com a leve modificação de uma palavra)
Faz bem só pensar em ver
Seu corpo meio maduro.
Seus seios altos parecem
(Se ela estivesse deitada)
Dois montinhos que amanhecem
Sem ter que haver madrugada.
E a mão do seu braço branco
Assenta em palmo espalhado
Sobre a saliência do flanco
Do seu relevo tapado.
Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como?
Fernando Pessoa - Cancioneiro
Se fala na Ana não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a ama, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...
Alberto Caeiro - (com a leve modificação de uma palavra)
Saturday, 4 December 2010
carpe noctem
"(...) das Leben ein Geschäft ist, das nicht die Kosten decken" Schopenhauer apud Nelson Hungria In: Comentários ao Código Penal. Vol. 5, 222p.
Friday, 3 December 2010
Um pedaço de sanduíche na cozinha - Pessimismo filosófico fenomenológico
Deixei um pedaço de sanduíche, quase todo comido, e, portanto, muito pequeno, numa parte da cozinha. Não tinha notado que o deixara lá. Dois dias depois, quando o notei, por acaso, ele está podre, completamente preto e com, pelo menos, 40 larvas. É absurdo quanto a vida é abjeta e obstinada. Duas perigosas características. Alçamos a vida a valor maior, a ápice de nobreza, quando, na verdade, ela não é assim, mas é tornada assim por nós. Agarramo-nos a ela tenazmente, mesmo quando ela é completamente vil, podre, asquerosa, repulsiva.
David Benatar, me parece, escreve muito bem sobre como tendemos a dizer que, supostamente, nos recusaríamos a viver em determinada circunstância "x", pois alegadamente "x" tornaria a vida insustentável, porém, quando somos submetidos a "x", em regra, nos adaptamos.
Ser paraplégico é um exemplo de "x". Muitos dizem que se fossem obrigados a viver em uma cadeira de rodas a vida se tornaria completamente intolerável, porém, não é o que ocorre na prática. De fato, as pessoas se adequam aos males mais diversos que a vida impõe, por mais graves que eles sejam.
Nesse sentido, há inúmeros exemplos de "x", como, p.ex., aqueles milhares de homens e mulheres que vivem, literalmente, no lixo, como as larvas que eu mencionei, obtendo o sustento dos restos despejados em grandes lixões. O documentário Ilha das Flores, de Jorge Furtado, e o poema O Bicho, de Manuel Bandeira[1], não me deixam mentir.
Há que se mencionar, igualmente, aquela grande maioria que, durante a segunda guerra mundial, mesmo em campos de concentração, em condições ditas subumanas, não cometeu suicídio. Ou ainda, o 1.4 bilhão de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza, em situação de franca derrelição e miserabilidade, que, mesmo em um país rico, como os EUA, assomam, espantosamente, aproximadamente, 44 milhões e, na Índia, 410 milhões. É desnecessário dizer, por exemplo, que essas pessoas têm o mais precário, quase nulo, acesso à saúde, à educação, à alimentação, à habitação e que, estão expostos aos mais diversos tipos de violência e de vulnerabilidade.
Ainda assim, eles vivem e escolhem viver, irresignadamente, como se o mero ser, como se mero viver, tivesse valor intrínseco a ele, como a se a mera possibilidade, ainda que remota, de um dia a situação ficar um pouco menos pior fosse capaz de motivar a quantidade infindável e interminável de penúrias pelas quais essas pessoas passam.
O paradoxal de tudo isso é que nossas vidas, as vidas “medianas”, consideradas boas, não são nem de perto tão boas quanto assume a maioria das pessoas.
Tentamos, no fundo, precariamente, diminuir, atenuar os males da vida, evitar males graves e desnecessários, tomando precauções, inventando medicamentos mais eficientes, implementando medidas de higiene, etc. Ao mesmo tempo em que buscamos, de maneira supérflua, maximizar, tanto quanto possível, os prazeres. A mentalidade das pessoas é hedonista ao extremo e não se dão conta elas de quão residual é nossa condição. Nossas vidas, mesmo as menos piores, continuam sendo muito ruins e, ademais, a volubilidade da Fortuna, cruel como é, está sempre à espreita, pronta para demolir nossas frágeis conquistas. Em realidade, continuamos a viver num bueiro, num pedaço podre de carne (i.e. o planeta terra), sugando dele tudo o que pode oferecer, produzindo, literalmente, quilos de lixo por dia[2] e toneladas por ano, por pessoa, e, mesmo assim, teimamos em achar que está tudo perfeitamente bem apenas por tornarmos a latrina um pouco menos repugnante.
Comer, defecar, adoecer, passar horas realizando tarefas banais e idiotas, como andar de carro, em mero deslocamento, tomar banho, escovar os dentes, dormir horas e horas por dia inutilmente, são tarefas inteiramente sem serventia, imprestáveis, que não valem de nada. São ruins, desagradáveis, residuais (como bem as chamou Cabrera), porém, realizadas única e exclusivamente porque nos submetemos ao quão ruim a vida é. Passamos a maior parte de nossas vidas realizando ações desse tipo, sem qualquer valor para nós e continuamos defendendo, equivocadamente, que vale a pena viver. Essas ações, como também mostrou Benatar são, outrossim, negligenciadas, só porque são males que, ainda que graves, permeiam as vidas de todos nós, como se isso anulasse ou neutralizasse a gravidade dessas nefastas tarefas do nosso morrer cotidiano.
[1] O Bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
[2] Cada pessoa produz, em média, pelo menos 2 quilos de lixo por dia.
"deesse aliquid nobis uidebitur et semper uidebitur"
"Ante ad mortem quam ad uitam praeparandi sumus. satis instructa uita est, sed nos semper in instrumenta eius auidi sumus; deesse aliquid nobis uidetur et semper uidebitur: ut satis uixerimus, nec anni nec dies faciunt sed animus. uixi, Lucili carissime, quantum satis erat; mortem plenus expecto."
[Devemos estar preparados antes para a morte do que para a vida. A vida está suficientemente preparada, mas nós sempre estamos ávidos para suas utilidades. Algo sempre parece faltar para nós e sempre parecerá: nem anos, nem dias fazem com que tenhamos vivido suficientemente, mas personalidade/disposição (animus). Vivi, caríssimo Lucílio, o quanto era suficiente. Aguardo a morte completo.]
[Devemos estar preparados antes para a morte do que para a vida. A vida está suficientemente preparada, mas nós sempre estamos ávidos para suas utilidades. Algo sempre parece faltar para nós e sempre parecerá: nem anos, nem dias fazem com que tenhamos vivido suficientemente, mas personalidade/disposição (animus). Vivi, caríssimo Lucílio, o quanto era suficiente. Aguardo a morte completo.]
[Sócrates] questionava a todos os homens
“Ti/ de\ ei) a)nhrw/ta i)di/ai kai\ koinh=i pa/ntaj a)nqrw/pouj, o(/ti ou)de/n ei)dei=en ou)/te di/kaion ou)/te kal/on”
[E se, de fato, questionava, em particular e em público, a todos os homens, que nada sabiam, nem o justo, nem o belo.]
Epistulae Socraticorum 17.
Tuesday, 30 November 2010
Último Imposto
"Porque a morte, resfriando-vos o rosto,
Consoante a minha concepção vesânica,
É a alfândega, onde toda vida orgânica
Há de pagar um dia o último imposto!"
Os Doentes, versos 115-118, Augusto dos Anjos.
Consoante a minha concepção vesânica,
É a alfândega, onde toda vida orgânica
Há de pagar um dia o último imposto!"
Os Doentes, versos 115-118, Augusto dos Anjos.
Monday, 29 November 2010
Medéia - linhas 230 - 251
πάντων δ΄ ὅσ΄ ἔστ΄ ἔμψυχα καὶ γνώμην ἔχει
γυναῖκές ἐσμεν ἀθλιώτατον φυτόν·
ἃς πρῶτα μὲν δεῖ χρημάτων ὑπερβολῇ
πόσιν πρίασθαι͵ δεσπότην τε σώματος
λαβεῖν· κακοῦ γὰρ τοῦτ΄ ἔτ΄ ἄλγιον κακόν.
γυναῖκές ἐσμεν ἀθλιώτατον φυτόν·
ἃς πρῶτα μὲν δεῖ χρημάτων ὑπερβολῇ
πόσιν πρίασθαι͵ δεσπότην τε σώματος
λαβεῖν· κακοῦ γὰρ τοῦτ΄ ἔτ΄ ἄλγιον κακόν.
κἀν τῷδ΄ ἀγὼν μέγιστος͵ ἢ κακὸν λαβεῖν
ἢ χρηστόν. οὐ γὰρ εὐκλεεῖς ἀπαλλαγαὶ
γυναιξίν͵ οὐδ΄ οἷόν τ΄ ἀνήνασθαι πόσιν.
ἐς καινὰ δ΄ ἤθη καὶ νόμους ἀφιγμένην
δεῖ μάντιν εἶναι͵ μὴ μαθοῦσαν οἴκοθεν͵
ἢ χρηστόν. οὐ γὰρ εὐκλεεῖς ἀπαλλαγαὶ
γυναιξίν͵ οὐδ΄ οἷόν τ΄ ἀνήνασθαι πόσιν.
ἐς καινὰ δ΄ ἤθη καὶ νόμους ἀφιγμένην
δεῖ μάντιν εἶναι͵ μὴ μαθοῦσαν οἴκοθεν͵
ὅτῳ μάλιστα χρήσεται ξυνευνέτῃ.
κἂν μὲν τάδ΄ ἡμῖν ἐκπονουμέναισιν εὖ
πόσις ξυνοικῇ μὴ βίᾳ φέρων ζυγόν͵
ζηλωτὸς αἰών· εἰ δὲ μή͵ θανεῖν χρεών.
κἂν μὲν τάδ΄ ἡμῖν ἐκπονουμέναισιν εὖ
πόσις ξυνοικῇ μὴ βίᾳ φέρων ζυγόν͵
ζηλωτὸς αἰών· εἰ δὲ μή͵ θανεῖν χρεών.
ἀνὴρ δ΄͵ ὅταν τοῖς ἔνδον ἄχθηται ξυνών͵
ἔξω μολὼν ἔπαυσε καρδίαν ἄσης·
[ἢ πρὸς φίλον τιν΄ ἢ πρὸς ἥλικα τραπείς·]
ἡμῖν δ΄ ἀνάγκη πρὸς μίαν ψυχὴν βλέπειν.
λέγουσι δ΄ ἡμᾶς ὡς ἀκίνδυνον βίον
ζῶμεν κατ΄ οἴκους͵ οἳ δὲ μάρνανται δορί·
ἔξω μολὼν ἔπαυσε καρδίαν ἄσης·
[ἢ πρὸς φίλον τιν΄ ἢ πρὸς ἥλικα τραπείς·]
ἡμῖν δ΄ ἀνάγκη πρὸς μίαν ψυχὴν βλέπειν.
λέγουσι δ΄ ἡμᾶς ὡς ἀκίνδυνον βίον
ζῶμεν κατ΄ οἴκους͵ οἳ δὲ μάρνανται δορί·
Na linha 240, adotei a opção feita por David Kovacs, na edição da Loeb, em detrimento da edição da OCT e da Cambridge Greek and Latin Classics, que foi a que eu utilizei.
[De todas que têm alma e discernimento,
As mulheres somos a mais miserável criatura.
Às quais, em primeiro lugar, é preciso, com excesso de dinheiro,
Comprar um marido, e tomar, ainda, um senhor para o corpo.
Esse mal pior que o primeiro.
E nisso [está] a luta mais importante [da vida], se tomamos um [marido] ruim ou um [marido] bom.
Pois não, com boa reputação, [pode] deixar o esposo, nem recusar um marido.
Dentro de novos costumes e regras tendo chegado, é necessário ser advinha, não tendo aprendido em casa, como lidar melhor com o consorte.
Se por ventura, conosco tendo cumprido isso, [é] bom o marido à mulher,
Não suportando o jugo [do casamento] com relutância, invejável é a vida.
Se não, é preferível morrer.
O homem, que é incomodado por estar em companhia dos que compõe sua casa,
Sai de casa e cessa o fastio de seu coração,
Ou se voltando para junto de algum amigo ou para alguém de sua idade.
Para nós é forçoso olhar para uma só pessoa.
Dizem que vivemos uma vida sem-perigo, em casa, [enquanto] eles lutam com a lança. Como pensam equivocadamente. Antes três vezes gostaria muito mais de ficar de pé ao lado de um escudo [em campo de batalha], do que parir uma vez.] Medéia, Eurípides, linhas 230-251.
Saturday, 30 October 2010
Man kann die Realität nur in Fragmenten begreifen.
“Man kann die Realität nur in Fragmenten begreifen. Man hat nur zu Fragmenten zugang. Weil wir das tagtäglich so erleben. Man sieht so wenig, man versteht noch weniger. Und nur beim Mainstream-Kino gibt man immer vor, alles zu wissen. Das langeweilt mich.” - Michael Haneke -
http://www.youtube.com/watch?v=xOIEINgWdNg
[Só se pode entender a realidade em fragmentos. Apenas se tem acesso a fragmentos.
Porque nós assim vivemos cotidianamente. Pode-se ver tão pouco, e entender ainda menos. E apenas no cinema Mainstream se está sempre à frente, sabendo tudo. Isso me entendia.]
http://www.youtube.com/watch?v=xOIEINgWdNg
[Só se pode entender a realidade em fragmentos. Apenas se tem acesso a fragmentos.
Porque nós assim vivemos cotidianamente. Pode-se ver tão pouco, e entender ainda menos. E apenas no cinema Mainstream se está sempre à frente, sabendo tudo. Isso me entendia.]
Friday, 29 October 2010
lubido
"(...) lubido sic accensa ut saepius peteret viro quam peteretur."
Adaptação de Salústio (só tirei um "s" do original), Bellum Catilinae, 25
"(...) com a libido de tal maneira acesa que mais frequentemente solicitava ao homem do que era solicitada."
Adaptação de Salústio (só tirei um "s" do original), Bellum Catilinae, 25
"(...) com a libido de tal maneira acesa que mais frequentemente solicitava ao homem do que era solicitada."
ΨΥΧΗΣ ΙΑΤΡΟΣ ΓΡΑΜΜΑΤΑ:
“Persuade tibi hoc sic esse ut scribo: quaedam tempora eripiuntur nobis, quaedam subducuntur, quaedam effluunt. Turpissima tamen est iactura quae per neglegentiam fit. Et si uolueris attendere, maxima pars uitae elabitur male agentibus, magna nihil agentibus, tota uita aliud agentibus. Quem mihi dabis, qui aliquod pretium tempori ponat, qui diem aestimet, qui intellegat se cotidie mori? In hoc enim fallimur, quod mortem prospicimus; magna pars eius iam praeterit. Quicquid aetatis retro est, mors tenet.” (Sêneca, Epístolas a Lucílio, I, 1)
[“Persuade a ti mesmo que a coisa é assim como escrevo: Uma parte do tempo é tomada de nós, uma outra é surrupiada e a outra se esvai. Contudo a mais reprovável perda é aquela que surge por negligência. E se desejas olhar com atenção, a maior parte da vida escapa enquanto estamos mal, uma grande parte enquanto nada fazemos, e toda a vida enquanto fazemos outra coisa [que não o que almejamos]. Quem apontas a mim, que põe o menor valor no seu tempo, que estime [cada] dia, que entende ele próprio morrer cotidianamente? Pois nisto falhamos, quando olhamos a morte prospectivamente; a maior parte dela já passou. Tudo da vida que está para trás, a morte possui.”]
"Existenz, Faktizität, Verfallen charakterisieren das Sein zum Ende und sind demnach konstitutiv für den existenzialen Begriff des Todes." Heidegger, Sein und Zeit, § 50.
[Existência, facticidade e decadência caracterizam o Ser-para-o-fim e são, portanto, constitutivos para o conceito existencial da morte."]
"ὅστις γὰρ ἐν πολλοῖσιν ὡς ἐγὼ κακοῖς
ζῇ, πῶς ὃδ' οὐχὶ κατθαυὼν κὲρδος φὲρει;"
[quem vive em muitos males, como eu, [uma vez] tendo morrido, como [pode] não
tomar isso como ganho?] Antígona, Sófocles, linhas 463-4.
"Hier sitz ich, forme Menschen
Nach meinem Bilde,
Ein Geschlecht, das mir gleich sei,
Zu leiden, zu weinen,
Zu genießen und zu freuen sich,
Und dein nicht zu achten,
Wie ich!"
[Aqui estou sentado, a formar homens,
Segundo minha figura,
Uma raça, a ser igual a mim,
Para sofrer, para chorar, para aproveitar e para se comprazer,
E para não te respeitar,
como eu.]
Prometheus, 7ª estrofe - Goethe
"(...) bonum publicum simulantes, pro sua quisque potentia certabant." Salustius, Bellum Catilinae, 38.
[(...) simulando o bem público, qualquer um [deles] lutava pelo seu próprio poder."] Salústio, Guerra de Catilina
"Va a tener mil pasados e ningún futuro" - El secreto de sus ojos
Friday, 22 October 2010
Cotidie morimur - Sein zum Tode - Sein zum Ende
Quando me refiro à morte não me reporto apenas a uma morte, ou seja, não me refiro somente à morte como ato de ceifamento da vida, como momento pontual que coloca fim à vida do indivíduo, pois a morte envolve também o ato de morrer cotidianamente. Estruturalmente, há a morte que nos acompanha ao longo da vida e essa morte, que é inerente a qualquer existência, imprime marca indelével no jeito humano de ser, isto é, naquilo que é chamado de condição humana. Ninguém escapa da morte e estamos vivendo-a (a nossa morte) todos os dias. Vivemos a morte nossa de cada dia.
Esse é um lema central na filosofia de Sêneca, para quem:
“(...) non repende nos in mortem incidere, sed minutatim procedere; Cotidie morimur. Cotidie enim demitur aliqua pars vitae, et tunc quoque, cum crescimus, vita decrescit. Infantiam amisimus, deinde pueritiam, deinde adulescentiam. Usque ad hesternum, quicquid transit temporis, perit; hunc ipsum, quem agimus, diem cum morte dividimus.” (Carta XXIV, 19)
[Não repentinamente, se abate a morte sobre nós, mas procede gradativamente; Morremos cotidianamente. Pois cotidianamente, alguma parte da vida é abatida e, então, também quando crescemos, a vida decresce. Perdemos a infância, nossa meninice, nossa juventude. Continuamente, qual quer que seja o tempo que passa, até mesmo ontem, perece. Dividimos com a morte este mesmo dia que vivemos.]
Essa morte, fruto da decadência, da finitude inerente ao ser humano, nos torna seres-para-a-morte, isto é, o nosso fim apodítico, a morte, torna nossas vidas carentes de um significado apriorístico e somos obrigados a lutar reativamente contra esse decair, contra a vulnerabilidade tão própria do jeito humano de ser. É por isso que somos seres-para-a-morte, porque nossa vida se pauta pelo fim inafastável ao qual estamos atrelados. E tudo o que fazemos em vida, fazemos a fim de fugir da morte, de vencê-la, de dar um sentido a ela, mesmo quando sabemos que o derradeiro fim tornará tudo isso vão e que essa história não tem um final feliz, afinal o herói sempre morre no final.
"Existenz, Faktizität, Verfallen charakterisieren das Sein zum Ende und sind demnach konstitutiv für den existenzialen Begriff des Todes." Heidegger, Sein und Zeit, § 50.
[Existência, facticidade e decadência caracterizam o Ser-para-o-fim e são, portanto, constitutivos para o conceito existencial da morte."] Heidegger, Ser e Tempo, § 50.
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