Quando me refiro à morte não me reporto apenas a uma morte, ou seja, não me refiro somente à morte como ato de ceifamento da vida, como momento pontual que coloca fim à vida do indivíduo, pois a morte envolve também o ato de morrer cotidianamente. Estruturalmente, há a morte que nos acompanha ao longo da vida e essa morte, que é inerente a qualquer existência, imprime marca indelével no jeito humano de ser, isto é, naquilo que é chamado de condição humana. Ninguém escapa da morte e estamos vivendo-a (a nossa morte) todos os dias. Vivemos a morte nossa de cada dia.
Esse é um lema central na filosofia de Sêneca, para quem:
“(...) non repende nos in mortem incidere, sed minutatim procedere; Cotidie morimur. Cotidie enim demitur aliqua pars vitae, et tunc quoque, cum crescimus, vita decrescit. Infantiam amisimus, deinde pueritiam, deinde adulescentiam. Usque ad hesternum, quicquid transit temporis, perit; hunc ipsum, quem agimus, diem cum morte dividimus.” (Carta XXIV, 19)
[Não repentinamente, se abate a morte sobre nós, mas procede gradativamente; Morremos cotidianamente. Pois cotidianamente, alguma parte da vida é abatida e, então, também quando crescemos, a vida decresce. Perdemos a infância, nossa meninice, nossa juventude. Continuamente, qual quer que seja o tempo que passa, até mesmo ontem, perece. Dividimos com a morte este mesmo dia que vivemos.]
Essa morte, fruto da decadência, da finitude inerente ao ser humano, nos torna seres-para-a-morte, isto é, o nosso fim apodítico, a morte, torna nossas vidas carentes de um significado apriorístico e somos obrigados a lutar reativamente contra esse decair, contra a vulnerabilidade tão própria do jeito humano de ser. É por isso que somos seres-para-a-morte, porque nossa vida se pauta pelo fim inafastável ao qual estamos atrelados. E tudo o que fazemos em vida, fazemos a fim de fugir da morte, de vencê-la, de dar um sentido a ela, mesmo quando sabemos que o derradeiro fim tornará tudo isso vão e que essa história não tem um final feliz, afinal o herói sempre morre no final.
"Existenz, Faktizität, Verfallen charakterisieren das Sein zum Ende und sind demnach konstitutiv für den existenzialen Begriff des Todes." Heidegger, Sein und Zeit, § 50.
[Existência, facticidade e decadência caracterizam o Ser-para-o-fim e são, portanto, constitutivos para o conceito existencial da morte."] Heidegger, Ser e Tempo, § 50.
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