Tuesday, 19 April 2011

Recurso Extraordinário (RE) 611874 sob o ângulo do constitucionalista alemão Klaus Stern

Será julgado pelo STF o RE 611874, no qual a União se insurge contra decisão da Corte Especial do TRF da 1ª Região que "(...) entendeu que candidato adventista pode alterar data ou horário de prova estabelecidos no calendário de concurso público, contanto que não haja mudança no cronograma do certame, nem prejuízo de espécie alguma à atividade administrativa."

O novo tomo da obra Das Staatsrecht der Bundesrepublik Deutschland, o magistral tratado escrito por Klaus Stern, foi publicado no começo deste ano de 2011. Neste tomo, o segundo do volume 4, que trata sobre direitos fundamentais individuais, Stern dedica uma enorme e brilhantemente bem escrita parte do livro ao estudo da liberdade de crença (Glaubensfreiheit), assim como da liberdade de Consciência (Gewissensfreiheit).

Penso que Stern defende bem algumas teses que podem ser úteis para a decisão do mencionado RE.

Em primeiro lugar, a liberdade de crença só poderá ser limitada de alguma maneira ou posta de lado no caso concreto, ao entrar em conflito com outro direito fundamental ou bem jurídico relevante.

Provando-se, portanto, que no caso acima não há prejuízo à isonomia, à eficiência do serviço público, etc, não há motivo que justifique o provimento do recurso da União.

É importante ressaltar que, na espécie, o recorrido, que ficou em primeiro lugar no concurso, precisa realizar ainda apenas a prova física. Esta será realizada nos seguintes dias:

"22 de setembro de 2007 (sábado) nas cidades de Brasília (DF), Salvador (BA), Goiânia (GO), São Luís (MA), Belo Horizonte (MG) e Teresina (PI);  29 de setembro de 2007 (sábado) nas cidades de Rio Branco (AC), Macapá (AP), Cuiabá (MT), Belém (PA), Porto Velho (RO), Boa Vista (RR) e Palmas (TO); e 30 de setembro de 2007 (domingo) para as provas em Manaus (AM)."

Tudo o que o recorrido pleiteou - e nisso ele obteve êxito junto ao TRF - foi a possibilidade de realizar a prova física, junto com outros candidatos, porém em dia que não fosse domingo. Ele não prejudicará ninguém, tampouco causará transtorno à administração ou se locupletará de violação do dever de igualdade, já que não ocorrerá violação deste tipo.

Stern cita diversos casos de conflitos que se dão em meio à liberdade de crença. Em um deles, por exemplo, ele defende ser garantido ao estudante muçulmano se ausentar por um dia-letivo, a cada feriado da sua religião, em respeito à sua liberdade de crença.

Sempre que esse tipo de medida tolerante, de assistência mútua e consideração recíproca, para com integrantes de grupos religiosos socialmente minoritários, for possível, sem que isso gere transtornos ou lesões a outros bens jurídicos, há de se privilegiar a tolerância e neutralidade religiosa do Estado, uma neutralité positive e não uma indiferença. Esse tipo de substrato paradigmático reforça a dignidade da pessoa humana, à medida que reconhece no sujeito, racional, autônomo e igual, conforme defende Kant, a capacidade de auto-determinar-se, ao mesmo tempo em que não resta descurado o sopesamento dos outros valores em jogo. A autonomia privada - e o respeito à crença do indivíduo, escolhida com base nela - deve sim ser privilegiada sempre que não violar princípios de ordem pública, como isonomia, lisura dos certames públicos, igualdade de chances (das Prinzip der Chancengleichheit), dentre outros corolários do princípio do Estado Democrático.

Acerca da eficácia do direito fundamental de liberdade de consciência na ordem privada, Stern é, em parte, lacônico, mas dá indicações interessantes. Como é sabido, na Alemanha, predomina a teoria que pugna pela aplicação mediata ou indireta dos direitos fundamentais na ordem privada. Isso, contudo, não impede a passagem do texto de Stern a respeito (vol. IV, tomo 2, seção 118, IV, 3) de ser bastante interessante, em especial sobre o caso, suscintamente mencionado, de uma empresa que exigia que funcionários usassem símbolos religosos para atrair clientes. Um dos empregados se recusou a usar tal símbolo e foi despedido. Essas e outras questões, nesta parte, são muito interessantes.

No comments:

Post a Comment