«La seule chose que je désirais […] profondément, avidement, c’était un
regard lucide et désabusé. Je l’ai trouvé enfin dans l’art du roman.
C’est pourquoi être romancier fut pour moi plus que pratiquer un "genre
littéraire" parmi d’autres ; ce fut une attitude, une sagesse, une
position ; une position excluant toute identification à une politique, à
une religion, à une idéologie, à une morale, à une collectivité ; une
non-identification consciente, opiniâtre, enragée, conçue non pas comme
évasion ou passivité, mais comme résistance, défi, révolte. J’ai fini
par avoir ces dialogues étranges : "Vous êtes communiste, monsieur
Kundera ? — Non, je suis romancier." "Vous êtes dissident ? — Non, je
suis romancier." "Vous êtes de gauche ou de droite ? — Ni l’un ni
l’autre. Je suis romancier."» Milan Kundera, Les Testaments trahis.
Compreender com Cervantes o mundo como ambiguidade, ter de enfrentar, em
vez de uma só verdade absoluta, muitas verdades relativas que se
contradizem (verdades incorporadas em egos imaginários chamados personagens), ter portanto como única certeza a sabedoria da incerteza,
isso não exige menos força. (...) O homem deseja um mundo onde o bem e o
mal sejam nitidamente discerníveis, pois existe nele a vontade inata e
indomável de julgar antes de compreender. Sobre essa vontade estão
fundadas as religiões e as ideologias. Elas não podem se conciliar com o
romance a não ser que traduzam sua linguagem de relatividade e de
ambiguidade no próprio discurso apodíctico e dogmático. Elas exigem que
alguém tenha razão; ou Anna Kariênina é vítima de um déspota obtuso, ou
então Karenin é vítima de uma mulher imoral; ou K., inocente, é esmagado
pelo tribunal injusto, ou então por trás do tribunal se esconde a
justiça divina e K. é culpado. Nesse ‘ou — ou então’ está contida a
incapacidade de suportar a relatividade essencial das coisas humanas, a
incapacidade de encarar a ausência do Juiz supremo. Devido a essa
incapacidade, a sabedoria do romance (a sabedoria da incerteza) é
difícil de aceitar e de compreender.”
Milan Kundera. A arte do romance. Tradução Teresa Bulhões. Carvalho da Fonseca. — São Paulo : Companhia das Letras, 2009, p. 14/15.
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