Tuesday, 18 August 2015

Objeto direto preposicionado + firnas a mim, a si, a nós usadas pleonasticamente

Objeto direto preposicionado
Sabemos que objeto direto é o complemento que se liga ao verbo diretamente, isto é, sem auxílio de preposição. Assim, em “Devemos amar nossos semelhantes”, nossos semelhantes é objeto direto do verbo amar porque se liga a ele sem a presença de preposição.
Entretanto, às vezes, o objeto direto pode aparecer precedido de preposição – geralmente, “a” – sem que isso o transforme em objeto indireto (complemento ligado ao verbo mediante preposição). Neste caso, temos o objeto direto preposicionado, como em “Devemos amar a Deus sobre todas as coisas”. “Amar”, no contexto, é transitivo direto (amar quem? resposta: Deus), mas mesmo assim apareceu a preposição “a” (amar a Deus). Há contextos em que podemos exercer a faculdade de empregar preposição com verbos transitivos diretos, e outros em que tal uso é obrigatório. Vejamos como isso se passa:
Uso facultativo
Com verbos que exprimem sentimentos: “O homem amava aos que o rodeavam” e “Detesto a Sujismundo e à sua gentalha”.
Nas antecipações do objeto, comuns em provérbios: "A quinta roda ao carro não faz senão embaraçar" e “Ao boi, (pega-se) pelo corno e ao homem, (pega-se) pela palavra".
Com certos pronomes: “Ele beneficiava a todos a sua volta” e "Gato a quem mordeu a cobra tem medo à corda".
Nos casos de objeto direto constituído de pronome oblíquo seguido de aposto: “Os maus ofendem-nos, aos bons, porque estes os incomodam” e “Seguiu-o, ao prático, sem o perder de vista”.
Como reforço à clareza: “Cumprimentei-o e aos que com ele estavam” e “Expulsou-o e aos asseclas”. Sem a preposição, podemos imaginar ser o segundo elemento do objeto direto sujeito de algum verbo, que na realidade não existe.

Uso obrigatório
Para evitar ambigüidade, mais precisamente, para não haver confusão entre o sujeito e o objeto: “A Felipe Marina contratou” e “A onça ao caçador surpreendeu”. Sem a preposição, teríamos as construções ambíguas “Felipe Marina contratou” e “A onça o caçador surpreendeu”. Nelas, não se sabe quem contratou quem nem quem surpreendeu quem. É claro que a ordem direta resolve muito bem a dificuldade – “Marina contratou Felipe” e “A onça surpreendeu o caçador” –, mas se o escritor quiser manter a ordem inversa a preposição é indispensável para a clareza da frase.
Quando o objeto direto é constituído de formas pronominais: “Viu-me e a si própria refletidos nas águas da lagoa” e “Escolheu a eles seus conselheiros”. Note que a preposição possibilita o pronome reto figurar como objeto direto, situação normalmente vetada pela norma culta escrita. Sem a preposição, impõe-se o pronome oblíquo: “Escolheu-os seus conselheiros”. Veja ainda que as formas a mim, a si, a nós, etc. podem, pleonasticamente, reforçar os objetos representados pelos pronomes me, te, se, nos e vos, como em “Concluí que me feri a mim mesmo” e “Prejudicou-se a si próprio com o ato”. Como se vê, é também possível reforço adicional mediante o auxílio dos demonstrativos mesmo e próprio com propósito enfático.

Há casos que provocam divergência entre autores sobre a ocorrência de objeto indireto ou direto preposicionado em construções como “Sacaram das espadas” e “Puxou do revólver”. Uma vez que nesses empregos os verbos sacar e puxar costumam ser transitivos diretos, alguns pensam, em virtude do uso da preposição, termos exemplo de objeto direto preposicionado. Contudo, autores renomados como Celso Luft e Napoleão Mendes de Almeida entendem tratar-se de objeto indireto mesmo.

Outra particularidade é a que se refere a verbos como comer e beber. Em “Maria Luísa comeu o bolo” e “Helena bebeu o vinho”, esses verbos são claramente transitivos diretos e consideramos que os sujeitos consumaram a ação, ou seja, comeram e beberam tudo. O que dizer, porém, de “Beatriz comeu do bolo” e “Salete bebeu do vinho”? O uso do partitivo altera o sentido do complemento, de sorte que entendemos haverem os sujeitos praticado a ação de comer e de beber não o todo alvo da ação, mas parte dele. Gramáticos de renome, como Celso Luft, consideram transitivos diretos os verbos dos primeiros exemplos e indiretos, os dos últimos, em que há a presença de preposição.
Finalmente, verbos como provar também protagonizam situações particulares. Em contextos como “Provei do pavê” e “Prove da feijoada”, o verbo em questão é transitivo indireto. Ainda segundo Celso Luft (LUFT, 1987), trata-se de objeto direto cujo núcleo foi omitido e assim “a preposição introduz o complemento partitivo de um quantificador zero ou indeterminado – provar (um pouco) de algo –, que é o núcleo do objeto direto”. Situação semelhante à de “Comer ou beber (um pouco) de alguma coisa”. Tanto assim é que em “Provei um pouco do suflê” o verbo é transitivo direto. Repare que dissemos ser a situação semelhante, mas não igual: não há alteração de sentido em “Provar o vinho” e “Provar do vinho”, ao passo que o sentido muda de “Beber o vinho” para “Beber do vinho”.

Leia também em:
Dicionário prático de regência verbal, de Celso Pedro Luft, verbetes “comer”, “beber” e “provar”.
Gramática metódica da língua portuguesa, de Napoleão Mendes de Almeida, § 683.
Nova gramática do português contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, p. 138.

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