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Apesar de se reconhecer que estamos numa gravíssima situação económico-financeira, em que o cumprimento das metas do défice público estabelecidas nos referidos memorandos de entendimento é importante para garantir a manutenção do financiamento do Estado, tais objetivos devem ser alcançados através de medidas de diminuição de despesa e/ou de aumento da receita que não se traduzam numa repartição de sacrifícios excessivamente diferenciada.
O princípio da igualdade na repartição dos encargos
públicos, enquanto manifestação específica do princípio da igualdade, constitui
um necessário parâmetro de atuação do legislador.
Este princípio deve ser considerado quando o legislador decide reduzir o défice
público para salvaguardar a solvabilidade do Estado. Tal como recai sobre todos
os cidadãos o dever de suportar os custos do Estado, segundo as suas
capacidades, o recurso excecional a uma medida de
redução dos rendimentos daqueles que auferem por verbas públicas, para evitar
uma situação de ameaça de incumprimento, também não poderá ignorar os limites
impostos pelo princípio da igualdade na repartição dos inerentes sacrifícios.
Interessando a sustentabilidade das contas públicas a todos, todos devem contribuir,
na medida das suas capacidades, para suportar os reajustamentos indispensáveis
a esse fim.
É indiscutível que, com as medidas constantes das normas
impugnadas, a repartição de sacrifícios, visando a redução do défice público,
não se faz de igual forma entre todos os cidadãos, na proporção das suas
capacidades financeiras, uma vez que elas não têm um cariz universal, recaindo
exclusivamente sobre as pessoas que auferem remunerações e pensões por verbas
públicas. Há, pois, um esforço adicional, em prol da comunidade, que é pedido
exclusivamente a algumas categorias de cidadãos.(...)
Apesar de se reconhecer que estamos numa gravíssima situação económico-financeira, em que o cumprimento das metas do défice público estabelecidas nos referidos memorandos de entendimento é importante para garantir a manutenção do financiamento do Estado, tais objetivos devem ser alcançados através de medidas de diminuição de despesa e/ou de aumento da receita que não se traduzam numa repartição de sacrifícios excessivamente diferenciada.
Aliás, quanto maior é o grau de sacrifício imposto aos
cidadãos para satisfação de interesses públicos, maiores são as exigências de
equidade e justiça na repartição desses sacrifícios.
A referida situação e as necessidades de eficácia das
medidas adoptadas para lhe fazer face, não podem servir de fundamento para
dispensar o legislador da sujeição aos direitos fundamentais e aos princípios
estruturantes do Estado de Direito, nomeadamente a parâmetros como o princípio
da igualdade proporcional. A Constituição não pode certamente ficar alheia à
realidade económica e financeira e em especial à verificação de uma situação
que se possa considerar como sendo de grave dificuldade. Mas ela possui uma
específica autonomia normativa que impede que os objetivos económicos ou financeiros
prevaleçam, sem quaisquer limites, sobre parâmetros como o da igualdade, que a
Constituição defende e deve fazer cumprir.
Deste modo se conclui que as normas que prevêem a medida de
suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal ou quaisquer
prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, quer para pessoas que
auferem remunerações salariais de entidades públicas, quer para pessoas que
auferem pensões de reforma ou aposentação através do sistema público de
segurança social, durante os anos de 2012 a 2014, violam o princípio da
igualdade, na dimensão da igualdade na repartição dos encargos públicos,
consagrado no artigo 13.º da Constituição.
Por esta razão devem ser declaradas inconstitucionais as
normas constantes dos artigos 21.º e 25.º, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento do Estado para 2012), tornando-se
dispensável o seu confronto com outros parâmetros constitucionais invocados
pelos Requerentes.
Apesar de a situação específica dos reformados e
aposentados se diferenciar da dos trabalhadores da Administração Pública no
activo, sendo possível quanto aos primeiros convocar diferentes ordens de
considerações no plano da constitucionalidade, em face da suficiência do
julgamento efectuado, tendo por parâmetro o princípio da igualdade, tal tarefa mostra-se igualmente prejudicada.
6. Estas medidas de
suspensão do pagamento de remunerações e de pensões inserem-se, como ficou
aludido, no quadro de uma política económico-financeira, tendente à redução do
défice público a curto prazo, de modo a dar cumprimento aos limites (4,5% do
PIB em 2012) impostos nos memorandos acima mencionados, os quais condicionam a
concretização dos empréstimos faseados acordados com a União Europeia e com o
Fundo Monetário Internacional.
Sendo essencial para o Estado Português, no atual contexto de grave emergência, continuar a ter acesso
a este financiamento externo, o cumprimento de tal valor orçamental revela-se,
por isso, um objetivo de excecional
interesse público.
Ora, encontrando-se a execução orçamental de 2012 já em
curso avançado, reconhece-se que as consequências da declaração de inconstitucionalidade
acima anunciada, sem mais, poderiam determinar, inevitavelmente, esse
incumprimento, pondo em perigo a manutenção do financiamento acordado e a
consequente solvabilidade do Estado. Na verdade, o montante da poupança líquida
da despesa pública que se obtém com a medida de suspensão do pagamento dos
subsídios de férias e de Natal ou prestações equivalentes a quem aufere por
verbas públicas, assume uma dimensão relevante nas contas públicas e no esforço
financeiro para se atingir a meta traçada, pelo que dificilmente seria
possível, no período que resta até ao final do ano, projetar
e executar medidas alternativas que produzissem efeitos ainda em 2012, de modo
a poder alcançar-se a meta orçamental fixada.
Estamos, pois, perante uma situação em que um interesse
público de excepcional relevo exige que o Tribunal Constitucional restrinja os
efeitos da declaração de inconstitucionalidade, nos termos permitidos pelo
artigo 282.º, n.º 4, da Constituição, não os aplicando à suspensão do pagamento
dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos
13.º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de 2012.
Decisão
Pelos fundamentos expostos:
a) Declara-se a inconstitucionalidade, com força
obrigatória geral, por violação do princípio da igualdade, consagrado no
artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, das normas constantes dos
artigos 21.º e 25.º, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro
(Orçamento do Estado para 2012).
b) Ao abrigo do disposto no artigo 282.º, n.º 4, da Constituição
da República Portuguesa, determina-se que os efeitos desta declaração de
inconstitucionalidade não se apliquem à suspensão do pagamento dos subsídios de
férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º
meses, relativos ao ano de 2012.
Lisboa, 5 de julho de 2012.- João Cura Mariano – Ana Guerra Martins – Joaquim de
Sousa Ribeiro – Maria João Antunes – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão –
Catarina Sarmento e Castro (com declaração, quanto ao efeitos) – Carlos Pamplona de Oliveira (vencido
quanto à alínea b), nos termos da declaração junta) – J. Cunha Barbosa (com declaração de voto
quanto aos efeitos) – Vítor Gomes
(Vencido, quanto à al. a) da decisão, nos termos da declaração anexa). – Maria Lúcia
Amaral (vencida, quanto à alínea a) da decisão, nos termos da
declaração anexa) – Rui Manuel Moura Ramos (Vencido,
quanto à alínea a) da decisão, nos termos da declaração anexa).
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