Prescrição como questão preliminar e como questão prejudicial
Há uma pergunta que me é dirigida com frequência: a prescrição é uma questão preliminar ou uma questão prejudicial?
A resposta é curiosa: depende.
É
que nenhuma questão é, em si, preliminar ou prejudicial, que são
adjetivos que qualificam uma especial função que uma questão exerce em
relação ao exame ou à solução de outra questão. Preliminar e prejudicial
não se distinguem pelo seu conteúdo (Barbosa Moreira). A
preliminaridade e a prejudicialidade são relações entre questões, é bom
que se lembre.
De
acordo com célebre entendimento (Barbosa Moreira), questão preliminar é
aquela cuja solução, conforme o sentido em que se pronuncie, cria ou
remove obstáculo à apreciação da outra. A própria possibilidade de
apreciar-se a segunda depende, pois, da maneira por que se resolva a
primeira. A preliminar é uma espécie de obstáculo que o magistrado deve
ultrapassar no exame de uma determinada questão. É como se fosse um
semáforo: acesa a luz verde, permite-se o exame da questão subordinada;
caso se acenda a vermelha, o exame torna-se impossível (Helio
Tornaghi).
Considera-se
questão prejudicial aquela de cuja solução dependerá não a
possibilidade nem a forma do pronunciamento sobre a outra questão, mas o
teor mesmo desse pronunciamento. A segunda questão depende da primeira
não no seu ser, mas no seu modo de ser (Barbosa Moreira). A questão
prejudicial funciona como uma espécie de placa de trânsito, que
determina para onde o motorista (juiz) deve seguir.
A
prescrição é uma questão preliminar em relação às demais questões de
defesa suscitadas pelo demandado: uma vez acolhida a prescrição, as
demais alegações do réu nem serão examinadas.
A
prescrição é, porém, uma questão prejudicial ao exame do pedido
(questão principal do processo): uma vez acolhida a prescrição,
rejeita-se o pedido. Note que o pedido será examinado, mas não será
acolhido.
Vale
a lembrança: uma questão será prejudicial ou preliminar, a depender do
tipo de subordinação que exerce em relação a outra questão.
06/06/2012
No que respeita às questões preliminares pode-se dizer que:
a) a decisão da questão preliminar condiciona a apreciação
da questão posterior; mas b) a decisão da questão preliminar não
influencia no teor da decisão da questão posterior.
Imaginemos, por exemplo, a seguinte situação: proposta uma
ação reivindicatória, o réu alega ilegitimidade para a causa, sob o
fundamento de que o autor não reivindica o bem para si. A decisão de tal
questão sobre a legitimidade poderá impedir a apreciação de mérito, mas em
nada influenciará no seu efetivo julgamento. [19]
Pensemos, também, na seguinte hipótese: proposta uma ação
de conhecimento, objetivando o cumprimento de um determinado contrato, o réu
alega, em contestação, a falta do interesse de agir, sob o argumento de que o
contrato é um título executivo. Acolhida a alegação, o juiz deixará de
apreciar o mérito; caso contrário o mérito será apreciado; de qualquer
sorte, porém, a decisão do juiz sobre o interesse de agir nunca determinará a
procedência ou a improcedência do pedido.
São evidentemente preliminares (em relação à questão de
mérito) todas as questões sobre os pressupostos processuais e as condições
da ação, pois, preenchidos tais requisitos, o juiz examinará a questão de
mérito, mas o pedido será julgado procedente ou improcedente, enquanto,
faltando um desses requisitos, o juiz deixará de apreciar a questão de
mérito, não julgando o pedido, portanto.
Já quanto às questões prejudiciais pode-se dizer que: a) a decisão da questão prejudicial influencia no teor da decisão
da questão posterior; porém b) a decisão da questão prejudicial jamais
condiciona a apreciação da questão posterior.
Retomando o exemplo da ação reivindicatória, digamos que o
réu alegue ser o único proprietário do bem reivindicado, negando, por
conseqüência, a titularidade do autor. Tal questão, agora, será prejudicial,
porque a decisão sobre a propriedade do imóvel não poderá impedir o juiz de
decidir sobre a questão de mérito, mas definirá, em boa medida, o seu
resultado: considerando-se o réu o proprietário, o pedido será julgado
improcedente; ao contrário, definido o autor como proprietário, o pedido, em
princípio, será julgado procedente.
Voltemos também ao exemplo da ação para o cumprimento de
um contrato: alegando o réu que o contrato não existe, formar-se-á
provavelmente uma questão prejudicial, pois o juiz necessariamente decidirá a
questão de mérito, julgando o pedido improcedente, se considerar que o
contrato não existe, ou eventualmente procedente, se considerar que o contrato
existe.
Acreditam alguns que o fumus boni juris e o periculum
in mora sejam condições específicas da ação cautelar ou que, pelo
menos, um deles integre uma das condições genéricas da ação cautelar,
normalmente o interesse de agir.
O fumus boni juris traduz-se na aparência de
que, no processo principal, os pressupostos processuais e as condições da
ação estarão presentes e o pedido será atendido. [20]- [21]
Tal requisito está intimamente relacionado ao periculum in mora,
consistente na ameaça objetiva e atual de que, não concedida a medida cautelar
pleiteada, haverá um dano irreparável ou de difícil reparação, ainda que
possa haver reparação monetária. [22]
As condições da ação situam-se no plano das questões
preliminares, pois, presentes, possibilitam o exame do mérito, e, ausente
qualquer uma delas, restará inviabilizado o exame do mérito. A decisão do
juiz sobre as condições da ação jamais influenciará no teor da decisão da
questão de mérito.
Mas não é isso que acontece com o fumus boni juris e
com o periculum in mora, pois, presentes tais requisitos, o juiz não
apenas julgará o mérito cautelar, mas concederá a medida pretendida, ao passo
que, ausente um deles, o juiz também julgará o mérito cautelar, agora
denegando a medida pretendida. Portanto, o fumus boni juris e o periculum
in mora situam-se no plano das questões prejudiciais. [27]
As questões prejudiciais – e as questões preliminares,
quando vencidas – são normalmente examinadas "incidenter tantum,
isto é, apenas como passagem obrigatória do iter lógico da verdadeira
decisão". [28] As questões prejudiciais à questão de mérito
são apreciadas na fundamentação da sentença, não transitando em julgado (CPC,
art. 469, III), a não ser que se promova uma ação declaratória incidental,
pois, aí, integrarão não só a fundamentação, como o dispositivo da
sentença (CPC, arts. 469, III, 5.º, 325 e 470).
Por fim, ressalte-se que o julgamento da questão posterior
pode ser influenciado por mais de uma questão prévia, seja ela preliminar,
seja ela prejudicial. Na prática, significa isto o seguinte: pode o juiz, por
exemplo, entender que a parte é legítima, mas declarar que falta interesse de
agir; pode também, por outro lado, reconhecer que o contrato existe, ao
contrário do que afirmara o réu, mas considerá-lo nulo. [29]