Thursday, 25 October 2012

"Filosofia" Julio Cabrera

Filosofia

Filosofia


Não faço aqui uma descrição do que, de fato, tem sido a atividade filosófica ao longo dos tempos, mas uma consideração pessoal, e, de certa forma, programática e convidativa, acerca de como eu assumo a filosofia e o filosofar.

Faço isso em dois momentos reflexivos. Num primeiro momento, filosofar é, para mim, a maneira fundamental de instalação do homem no mundo, uma maneira insegura, temerosa, ignorante, insatisfeita, desejante, incompleta e sofredora. Vinculo filosofar com desamparo. Filosofar é o próprio clamor da finitude, seja qual for o âmbito ou nível onde ele se manifeste. Desse desamparo ignorante e sofredor nasce um poderoso desejo de esclarecimento, perpassado por um desejo de bem-viver e bem-morrer: todos os humanos querem compreender mais para tentar viver e morrer melhor.

Estes desejos primários estão presentes em todas as pessoas, de maneira que, neste primeiro momento, e tal como sempre era dito antes da profissionalização da filosofia, todos somos filósofos pelo simples e terrível fato de sermos na peculiar maneira humana de ser, seres finitos, mortais, ameaçados, desamparados, ignorantes, perguntantes, jogados num mundo inóspito. No meio do tumulto de suas preocupações cotidianas e de seus dramas pessoais, surgem de vez em quando em todas as pessoas, letradas ou analfabetas, inevitavelmente, as questões essenciais: o sentido, a morte, a dor. Essas questões são de imediato sepultadas pela maioria, ou deixadas de lado; por longos períodos, vive-se como se não existissem.

Num segundo pensamento sobre filosofia, pelo contrário, quase ninguém é filósofo, nem mesmo a maioria dos professores de filosofia. Pois filósofos são aqueles seres perguntantes e faltosos que transformam a sua finitude ameaçada numa obsessiva busca pelo esclarecimento - mesmo quando ela é perigosa e instável - e numa poderosa forma de sensibilidade (e de sexualidade!) que manifesta total prioridade sobre qualquer outra preocupação; não porque o filósofo assim se o proponha, mas porque ele é lançado de maneira compulsiva para essa peculiar forma de existência.

É como se o filósofo, nesta segunda acepção, exacerbasse ou levasse ao paroxismo aquilo que é momento fugaz e dispensável na maioria das pessoas. Se estas sepultam seus desejos filosóficos (de esclarecer, esclarecer-se, bem-viver e bem-morrer), o filósofo neste segundo sentido é alguém que não consegue sepultar ou ocultar, e para quem aquelas questões ansiosas e incômodas são sua atmosfera permanente, o ar que respira, o centro de gravitação e organização de seu particular modo de existência.

Neste segundo momento reflexivo, o filósofo é alguém que não conseguiria dedicar a sua vida toda a alguma atividade específica (como o comercio ou o exercício de uma profissão liberal), e se alguma vez o fizer, será por absoluta necessidade de sobrevivência (rapidamente superada se realmente for filósofo). Ao filósofo lhe resultaria desesperador dedicar sua vida a qualquer atividade que lhe impedisse refletir sobre aqueles desejos primordiais. Ele não poderia manter sua existência em apenas um setor do real e dedicar-lhe a totalidade de suas forças. Nesse sentido, o filósofo é um fracassado, estuda filosofia quem nunca conseguiria ser engenheiro, médico ou advogado, mesmo bem titulado, mesmo sabendo que poderia exercer essas funções de maneira competente e proveitosa.

A obsessão pelo esclarecimento, a suscetível sensibilidade para tudo o que é finito, incompleto e inseguro, para a constante ameaça do mundo, para o desamparo sem consolo, trazem novos infortúnios para o filósofo, e não algo como uma “sabedoria de vida”. Pelo contrário, os humanos que simplesmente existem o drama de serem humanos sem refleti-lo, possuem forças, defesas e sabedorias que o filósofo perde no instante mesmo em que se põe a refletir. Neste sentido, o filósofo não tem qualquer sabedoria para oferecer; pelo contrário, passará a vida tentando recuperar, mediante o pensamento, a sabedoria que acreditava ter quando não era filósofo (Wittgenstein: um exemplo tragicômico disto).

A filosofia profissional baniu o motivo existencial presente nestas duas concepções do filosofar. A atividade filosófica é agora uma tarefa institucionalizada mais do que um modo de existir. A filosofia profissional potencializou os meios de indagação de assuntos e, de certa forma, os levou a um grande aperfeiçoamento desde o ponto de vista de sua tecnicalidade instrumental. Também os transformou num poderoso mecanismo de dominação. Mas a filosofia profissional não criou nada, simplesmente processou e interpretou a finitude de uma maneira particular. O desamparo fica como oculto ou camuflado embaixo das formas profissionalizadas do filosofar, tanto na filosofia analítica quanto, por exemplo, nos estudos dos "especialistas em Nietzsche". A fragilidade intrínseca a todo filosofar (a todo viver) fica disfarçada numa maneira aparentemente firme, segura e técnica de "dominar os assuntos" e "construir argumentos". Mas nem mesmo ali o filosofar consegue esconder seu desamparo original.

A filosofia profissionalizada se perde nos encantos do comentário, a exegese, a citação, a autoridade e a erudição, onde a filosofia transforma-se num trabalho como outro qualquer, no qual podem empenhar-se todo tipo de pessoas, mesmo aquelas sem uma grande sensibilidade, obsessividade e envolvimento existencial nas questões formuladas. A filosofia representa nas vidas da maioria de seus praticantes apenas mais uma inserção institucional, ao lado da família, os grupos de trabalho e o estado. Trata-se de um tipo de produtividade como outro qualquer. A filosofia transforma-se num “setor do real” ao lado da odontologia, o direito e a jardinagem, e um filósofo profissional é alguém capaz de dedicar a totalidade de suas forças ao estudo funcional desse setor do real.

Em nenhuma das duas concepções do filosofar, é o primordial a aquisição de informações. Pelo contrário, de certa forma, filosofar é uma maneira de desinformar-se, de descartar informações, de virar-se com o que se tem, de fazer reflexões mínimas sem deixar-se atordoar pelo excesso de dados. Como filósofos não se trata de "saber mais", mas de "ser mais" através de uma indagação sobre o mundo. Pelo contrário, vista da perspectiva profissional, um filosofar existencialmente norteado parecerá sempre “pouco sério”, irresponsável e diletante, na estrita medida em que ele mostra abertamente sua fragilidade e seu caráter tateante e inseguro. (De um ponto de vista funcional, decididamente viver não é sério).

Mas nada impede que um filósofo seja professor de filosofia, como Kant, Hegel, Fichte, Heidegger e Wittgenstein o foram. Pois muitos pensam que ocupar uma cátedra na universidade é sinal de não ser um filósofo genuíno; que os filósofos genuínos são aqueles que nunca lecionaram em universidade, como Spinoza, Hume ou Schopenhauer. Na verdade, para o filósofo, é irrelevante ocupar ou não uma cátedra universitária. (Kant é tão filósofo quanto Schopenhauer). Ele poderá curvar-se diante da filosofia profissionalizada ou poderá tentar fazer a sua filosofia dentro dela.

Dentro do escopo da minha segunda visão da filosofia (filosofia como uma atividade muito peculiar) a minha idéia é que a filosofia tem uma natureza múltipla, e que a partir dela surgem muitos tipos de textos (orais ou escritos) que podem considerar-se filosóficos: desde textos de análise lógica a textos existenciais e autobiográficos. A filosofia, como eu a entendo, vai de Carnap a Kierkegaard com toda naturalidade. Nunca gastei meu tempo tentando mostrar que algum destes autores "não faz filosofia" ou que "não é filósofo". Não assumo nenhuma atitude de escândalo diante da multiplicidade ou do "caos" do termo "filosofia", ou de impaciente exasperação diante de sua "indefinição", pois vejo a multiplicidade do filosofar como um desdobramento de sua mesma natureza, tal como eu a entendo, não como um penoso acidente histórico a ser lamentado e resolvido.

A filosofia, como a vida mesma, desenvolve-se num continuum vital de pensamentos, desde a máxima articulação lógico-analítica até o mergulho existencial no fluxo do vivido. Análise e existência são suas polaridades, e as filosofias se desenvolvem numa gama rica e variada dentro desses extremos. Em todos os países houve flutuações desde um extremo ao outro, e sempre a tentação de marcar o lugar da "verdadeira filosofia" num deles excluindo o outro.

Pessoalmente, fiz uma filosofia da lógica que tende ao articulado (ver Filosofia da Lógica), e uma filosofia da ética fluída e existencial (ver Ética Negativa). Não obstante isso, na dinâmica de minha obra, as duas coisas tendem para seus contrários: a minha ética tende para a argumentação lógica, e a minha lógica tem bases nietzscheanas. A existência tende à análise, a análise à existência. As duas polaridades da filosofia perpassam a totalidade de meu pensamento.

Duodécimos


O facto da entrada em vigor do Orçamento ser depois de Janeiro, pelo facto de as eleições legislativas terem tido lugar a 27 de Setembro, implica que o financiamento dos serviços do Estado seja realizado em regime de duodécimos. Isto significa que, para cada mês até à entrada em vigor do novo Orçamento, os serviços do Estado terão à disposição o valor correspondente a um dozeavos do "bolo" geral do Orçamento anterior.

Thursday, 18 October 2012

Vida, uma doença sexualmente transmissível

Vida, uma doença sexualmente transmissível, que leva necessariamente à morte e para a qual nunca se encontrou cura.

Monday, 15 October 2012



DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL.
As ações de indenização contra a Fazenda Pública prescrevem em cinco anos. Por se tratar de norma especial, que prevalece sobre a geral, aplica-se o prazo do art. 1º do Dec. n. 20.910/1932, e não o de três anos previsto no CC. Precedentes citados: EREsp 1.081.885-RR, DJe 1º/2/2011 e AgRg no Ag 1.364.269-PR, DJe 24/9/2012. AgRg no AREsp 14.062-RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 20/9/2012.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL.
É possível a concessão de aposentadoria por idade a rurícola nos termos do art. 143 da Lei n. 8.213/1991, em caso de comprovação da condição de lavrador do marido da requerente por meio de certidão de casamento, certidão de óbito e extrato de pensão rural, além de depoimento de testemunhas. A condição de trabalhadora rural da mulher decorre da extensão da qualidade de agricultor do marido. Não se exige, para a concessão de aposentadoria rural por idade, que a prova material do labor se refira a todo o período de carência, desde que haja prova testemunhal apta a ampliar a eficácia probatória dos documentos, isto é, se as testemunhas confirmarem a prática de atividade rural no mesmo lapso. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.117.709-SP, DJe 21/6/2010; AgRg no REsp 1.150.778-SP, DJe 7/6/2010; AR 3.402-SP, DJe 27/3/2008, e AR 919-SP, DJ 5/3/2007. AR 4.094-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgada em 26/9/2012. 

DIREITO PENAL. NATUREZA HEDIONDA. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR COMETIDOS ANTES DA LEI N. 12.015/2009. FORMA SIMPLES. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. N. 8/2008-STJ).
Os crimes de estupro e atentado violento ao pudor cometidos antes da edição da Lei n. 12.015/2009 são considerados hediondos, ainda que praticados na forma simples. O bem jurídico tutelado é a liberdade sexual, não a integridade física ou a vida da vítima, sendo irrelevante que a prática dos ilícitos tenha resultado lesões corporais de natureza grave ou morte. As lesões corporais e a morte são resultados que qualificam o crime, não constituindo, pois, elementos do tipo penal necessários ao reconhecimento do caráter hediondo do delito, que exsurge da gravidade dos crimes praticados contra a liberdade sexual e merecem tutela diferenciada, mais rigorosa. Ademais, afigura-se inequívoca a natureza hedionda do crime de estupro praticado sob a égide da Lei n. 12.015/2009, que agora abarca, no mesmo tipo penal, a figura do atentado violento ao pudor, inclusive na sua forma simples, por expressa disposição legal, bem assim o estupro de vulnerável em todas as suas formas, independentemente de que a conduta venha a resultar lesão corporal ou morte. Precedentes citados do STF: HC 101.694-RS, DJe 2/6/2010; HC 89.554-DF, DJ 2/3/2007; HC 93.794-RS, DJe23/10/2008 ; do STJ: AgRg no REsp 1.187.176-RS, DJe 19/3/2012, e REsp 1.201.911-MG, DJe 24/10/2011. REsp 1.110.520-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 26/9/2012. 

DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. ATO VINCULADO. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES.
Há direito líquido e certo ao apostilamento no cargo público quando a Administração Pública impõe ao servidor empossado por força de decisão liminar a necessidade de desistência da ação judicial como condição para o apostilamento e, na sequência, indefere o pleito justamente em razão da falta de decisão judicial favorável ao agente. O ato administrativo de apostilamento é vinculado, não cabendo ao agente público indeferi-lo se satisfeitos os seus requisitos. O administrador está vinculado aos motivos postos como fundamento para a prática do ato administrativo, seja vinculado seja discricionário, configurando vício de legalidade – justificando o controle do Poder Judiciário – se forem inexistentes ou inverídicos, bem como se faltar adequação lógica entre as razões expostas e o resultado alcançado, em atenção à teoria dos motivos determinantes. Assim, um comportamento da Administração que gera legítima expectativa no servidor ou no jurisdicionado não pode ser depois utilizado exatamente para cassar esse direito, pois seria, no mínimo, prestigiar a torpeza, ofendendo, assim, aos princípios da confiança e da boa-fé objetiva, corolários do princípio da moralidade. MS 13.948-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/9/2012. 

DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (PAD). UTILIZAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA.
É possível utilizar, em processo administrativo disciplinar, na qualidade de “prova emprestada”, a interceptação telefônica produzida em ação penal, desde que devidamente autorizada pelo juízo criminal e com observância às diretrizes da Lei n. 9.296/1996. Precedentes citados: MS 13.099-DF, DJe 22/3/2012; MS 15.823-DF, DJe 18/8/2011; MS 14.598-DF, DJe 11/10/2011; MS 15.786-DF, DJe 11/5/2011, e AgRg na APn 536-BA, DJ 9/10/2007. MS 14.140-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 26/9/2012. 

DIREITO ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE ÁGUA E SERVIÇO DE ESGOTO. DÉBITOS DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE DO EFETIVO CONSUMIDOR.
A responsabilidade por débito relativo ao consumo de água e serviço de esgoto é de quem efetivamente obteve a prestação do serviço. Trata-se de obrigação de natureza pessoal, não se caracterizando como obrigação propter rem. Assim, o inadimplemento é do usuário que obteve a prestação do serviço, razão por que não cabe responsabilizar o atual usuário por débito pretérito relativo ao consumo de água de usuário anterior. Precedentes citados: REsp 1.267.302-SP, DJe 17/11/2011 e AgRg no REsp 1.256.305-SP, DJe 19/9/2011. AgRg no REsp 1.313.235-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 20/9/2012. 

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. MEIOS DE PROVA DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE.
O critério previsto no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993 (renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo) não impede a concessão do correspondente benefício assistencial, desde que comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante. A CF assegura um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. A Lei n. 8.742/1993 dispõe que a concessão desse benefício será devido a quem não possua meios de prover sua manutenção ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo. No julgamento do REsp 1.112.557-MG, representativo de controvérsia, o STJ firmou o entendimento de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, visto que esse critério é apenas um elemento objetivo para aferir a necessidade. Ademais, no âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do juiz, não o sistema de tarifação legal de provas. Assim, essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado, não podendo vincular o magistrado a um elemento probatório sob pena de cercear o seu direito de julgar. Precedente citado: REsp 1.112.557-MG, DJe 20/11/2009. AgRg no AREsp 202.517-RO, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 2/10/2012.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ASTREINTES. ESTIPULAÇÃO EX OFFICIO E CUMULAÇÃO COM JUROS DE MORA.
É cabível a cumulação de astreintes com juros de mora, bem como sua estipulação de ofício. Ao juiz é facultado arbitrar multa ex officio como forma de obtenção da tutela específica da obrigação, objetivo principal da execução, conforme expressamente permite o parágrafo único do art. 621 do CPC. Quanto à cumulação das astreintes com encargos contratuais, esclareceu-se que é admissível devido à natureza jurídica distinta entre as parcelas, pois a primeira tem natureza processual e os juros de mora têm natureza material. Ademais, estes se destinam à reparação de parte dos prejuízos ensejados pela mora; por outro lado, a multa cominatória diária é meio de coerção para que o devedor cumpra a obrigação específica. Ressalvou-se, contudo, a hipótese em que houver previsão de astreintes no título, pois assim seria apenas possível ao juiz reduzir o valor, se excessivo (art. 645, parágrafo único, do CPC). Precedentes citados: REsp 940.309-MT, DJe 25/5/2010, e REsp 859.857-PR, DJe 19/5/2010. REsp 1.198.880-MT, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 20/9/2012. 

DIREITO CIVIL. TRANSPORTE DE CARGA PELA ECT. ROUBO. FORÇA MAIOR.
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), ao prestar serviço de coleta, transporte e entrega domiciliar de fitas de vídeo mediante Sedex, não responde pelos danos decorrentes do roubo da carga, salvo se demonstrado que a transportadora não adotou as cautelas necessárias. O STF, ao julgar a ADPF 46-DF, restringiu à categoria de serviço público stricto sensu (regime de privilégio) as atividades postais descritas no art. 9º da Lei n. 6.538/1978, excluindo do regime especial a distribuição de outros tipos de encomendas ou impressos. O serviço de coleta, transporte e entrega domiciliar de fitas de vídeo, ainda que exercido pelos Correios, caracteriza atividade econômica típica, devendo ser observado o regime de direito privado aplicável a empresas de transporte de carga, com as quais a ECT concorre no mercado. O art. 17, I, da Lei n. 6.538/1978 exclui a responsabilidade objetiva da empresa exploradora de serviço postal pela perda ou danificação de objeto postal em caso de força maior, cuja extensão conceitual abarca a ocorrência de roubo das mercadorias transportadas. Atualmente, a força maior deve ser entendida como espécie do gênero fortuito externo, do qual faz parte também a culpa exclusiva de terceiros, os quais se contrapõem ao chamado fortuito interno. O roubo mediante uso de arma de fogo é fato de terceiro equiparável à força maior, que deve excluir o dever de indenizar, mesmo no sistema de responsabilidade civil objetiva, por se tratar de fato inevitável e irresistível que gera uma impossibilidade absoluta de não ocorrência do dano. Não é razoável exigir que os prestadores de serviço de transporte de cargas alcancem absoluta segurança contra roubos, uma vez que a segurança pública é dever do Estado, também não havendo imposição legal obrigando as empresas transportadoras a contratar escoltas ou rastreamento de caminhão e, sem parecer técnico especializado, nem sequer é possível presumir se, por exemplo, a escolta armada seria eficaz para afastar o risco ou se o agravaria pelo caráter ostensivo do aparato. O exame quanto à falta de cuidado da transportadora, evidentemente, depende das circunstâncias peculiares de cada caso concreto, não bastando as afirmações de que outros assaltos semelhantes já haviam ocorrido e de que a ocorrência de um assalto não representa circunstância imprevisível em uma metrópole. Mesmo que a relação jurídica se sujeitasse ao regime público de responsabilidade civil do Estado, previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, como entendeu o acórdão recorrido, a solução seria a mesma, com a exclusão da responsabilidade dos Correios pelo roubo de mercadorias. Precedentes citados do STF: RE 109.615-RJ, DJ 2/8/2006; do STJ: REsp 435.865-RJ, DJ 12/5/2003; REsp 927.148-SP, DJe 4/11/2011; REsp 721.439-RJ, DJ 31/8/2007, e REsp 135.259-SP, DJ 2/3/1998. REsp 976.564-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/9/2012. 

DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL POR MORTE DE PARENTE.
A indenização por dano moral decorrente da morte de parente deve ser fixada de forma global à família do falecido e com observância ao montante de quinhentos salários mínimos, usualmente adotado pelo STJ, ressalvada a possibilidade de acréscimo de valor em se tratando de famílias numerosas. Embora amparado em normas constitucionais, o direito à indenização plena dos danos morais não é absoluto, podendo ser ponderado com outros direitos fundamentais de igual grandeza. O STJ tem estabelecido critérios razoavelmente objetivos para liquidar o dano moral, não com a finalidade de tarifar a compensação pelo abalo, mas para buscar soluções equânimes, na medida em que situações assemelhadas devem ser solucionadas também de forma semelhante. Em caso de morte de familiar, o valor usual adotado são quinhentos salários mínimos. O sistema de responsabilidade civil atual, com base no art. 944, parágrafo único, do CC, rechaça indenizações ilimitadas que alcançam valores que, a pretexto de reparar integralmente vítimas de ato ilícito, revelam nítida desproporção entre a conduta do agente e os resultados ordinariamente dela esperados. Simplesmente multiplicar o valor que se concebe como razoável pelo número de autores da demanda pode tornar a obrigação do causador do dano extensa e distante de padrões baseados na proporcionalidade e razoabilidade, uma vez que se analisa apenas a extensão do dano para o arbitramento da indenização, desconsiderando o outro extremo da relação, que é a conduta do causador do dano, com a valoração de sua reprovabilidade e as circunstâncias do caso concreto. A solução adequada deve, a um só tempo, sopesar a extensão do dano e a conduta de seu causador; pois, embora por vezes os atingidos pelo fato danoso sejam vários, a conduta do réu é única, e sua reprovabilidade é igualmente uma só, o que deve ser considerado na fixação da indenização por dano moral. Não se desconhece que o dano moral é uma violação individualmente experimentada pela pessoa, porém a solução apresentada considera, a um só tempo, tanto a individualidade dos atingidos pelo dano quanto a conduta do causador. Em se tratando de famílias numerosas, o arbitramento da indenização de forma global, desconsiderando o número de integrantes, também pode acarretar injustiças, de modo que o valor pode ser elevado gradativamente na medida em que cresça também o número de beneficiados, evitando que os quinhões individuais se tornem irrisórios. Se, para o arbitramento da indenização, deve ser considerado o número de autores, certamente uma ação proposta apenas por parte dos legitimados conduzirá à indenização de menor valor, não impedindo que, futuramente, outros legitimados proponham sua pretensão, desde que a soma não atinja patamares desarrazoados. Precedentes citados: AgRg no Ag 1.378.016-MS, DJe 22/8/2012; REsp 989.284-RJ, DJe 22/8/2011; REsp 936.792-SE, DJ 22/10/2007; REsp 825.275-SP, DJe 8/3/2010 ; REsp 210.101-PR, DJe 9/12/2008; REsp 163.484-RJ, DJ 13/10/1998 ; REsp 687.567-RS, DJ 13/3/2006; REsp 1.139.612-PR, DJe 23/3/2011; REsp 959.780-ES, DJe 6/5/2011. REsp 1.127.913-RS, Rel. originário Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão , julgado em 20/9/2012.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EDCL CONTRA DECISÃO QUE NEGA SEGUIMENTO A RESP.
São manifestamente incabíveis os embargos de declaração (EDcl) opostos contra decisão de admissibilidade do recurso especial proferida pelo tribunal de origem. Com exceção feita às decisões que negam trânsito ao recurso especial com base no art. 543-C, §7º, consolidou-se a jurisprudência do STF e do STJ no sentido de que a decisão de admissibilidade do recurso especial ou extraordinário é proferida por delegação do Tribunal ad quem, sendo impugnável mediante agravo de instrumento dirigido ao STJ ou STF (ou nos próprios autos a partir da edição da Lei n. 12.322/2010, que deu nova redação ao art. 544 do CPC). Proferida a decisão de admissibilidade, exaure-se a delegação, devendo os autos ser remetidos à instância superior, aguardar eventual decisão em agravo de instrumento, ou baixar à origem para execução ou arquivamento. Embargos de declaração não teriam razão de ser, pois o STJ não está vinculado aos fundamentos do juízo de admissibilidade feito na origem. Se porventura fossem admitidos os embargos de declaração, haveria postergação injustificável do trâmite processual, mormente porque, se cabíveis os primeiros embargos de declaração de uma das partes, nada impediria sucessivos embargos de declaração das demais partes, ao invés da pronta interposição do cabível recurso de agravo para o Tribunal ad quem. AgRg no Ag 1.341.818-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 20/9/2012.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADIANTAMENTO DE DESPESAS.
Não é devido o recolhimento de quantia relativa à “taxa judiciária” para o ajuizamento de ação civil pública em defesa dos interesses coletivos de consumidores. As ações civis públicas, em sintonia com o disposto no artigo 6º, VIII, do CDC, ao propiciar a facilitação da tutela dos direitos individuais homogêneos dos consumidores, viabilizam a otimização da prestação jurisdicional, abrangendo toda uma coletividade atingida em seus direitos, dada a eficácia vinculante das suas sentenças. O legislador institui referidas ações partindo da premissa de que são, presumivelmente, propostas por legitimado ativo que se apresenta como representante idôneo de interesses sociais. As ações coletivas fazem parte de um arcabouço normativo próprio, constituindo microssistema com regras particulares, que devem ser compatibilizadas e integradas numa interpretação sistemática, sem se descuidar do inequívoco objetivo legal e constitucional de facilitação do acesso coletivo à Justiça. O art. 18 da Lei n. 7.347/1985 é norma processual especial que expressamente afastou a necessidade, por parte do legitimado extraordinário, de efetuar o adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas para o ajuizamento de ação coletiva, que apenas serão recolhidos ao final pelo requerido, se for sucumbente, ou pela autora, quando manifesta a sua má-fé. Além disso, o art. 87 do CDC dispõe que, nas ações coletivas de defesa do consumidor, não haverá adiantamento de quaisquer despesas. REsp 978.706-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/9/2012.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO AUTOR DA AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
O autor da ação responde objetivamente pelos danos sofridos pela parte adversa decorrentes da antecipação de tutela que não for confirmada em sentença, independentemente de pronunciamento judicial e pedido específico da parte interessada. O dever de compensar o dano processual é resultado do microssistema representado pelos arts. 273, § 3º, 475-O, incisos I e II, e art. 811 do CPC. Por determinação legal prevista no art. 273, § 3º, do CPC, aplica-se à antecipação de tutela, no que couberem, as disposições do art. 588 do mesmo diploma (atual art. 475-O, incluído pela Lei n. 11.232/2005). Ademais, aplica-se analogicamente à antecipação de tutela a responsabilidade prevista no art. 811 do CPC, por ser espécie do gênero de tutelas de urgência (a qual engloba a tutela cautelar). Com efeito, a obrigação de indenizar o dano causado ao adversário pela execução de tutela antecipada posteriormente revogada é consequência natural da improcedência do pedido, decorrência ex lege da sentença, e por isso independe de pronunciamento judicial, dispensando também, por lógica, pedido específico da parte interessada. Precedentes citados do STF: RE 100.624, DJ 21/10/1983; do STJ: REsp 127.498-RJ, DJ 22/9/1997; REsp 744.380-MG, DJe 3/12/2008, e REsp 802.735-SP, DJe 11/12/2009. REsp 1.191.262-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 25/9/2012. 

DIREITO CIVIL. VÍCIO DO PRODUTO. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO ZERO QUILÔMETRO PARA USO PROFISSIONAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA.
Há responsabilidade solidária da concessionária (fornecedor) e do fabricante por vício em veículo zero quilômetro. A aquisição de veículo zero quilômetro para uso profissional como táxi, por si só, não afasta a possibilidade de aplicação das normas protetivas do CDC. Todos os que participam da introdução do produto ou serviço no mercado respondem solidariamente por eventual vício do produto ou de adequação, ou seja, imputa-se a toda a cadeia de fornecimento a responsabilidade pela garantia de qualidade e adequação do referido produto ou serviço (arts. 14 e 18 do CDC). Ao contrário do que ocorre na responsabilidade pelo fato do produto, no vício do produto a responsabilidade é solidária entre todos os fornecedores, inclusive o comerciante, a teor do que preconiza o art. 18 do mencionado codex. REsp 611.872-RJ, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 2/10/2012.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. BUSCA EM INTERIOR DE VEÍCULO. PRESCINDIBILIDADE DE MANDADO JUDICIAL.

Prescinde de mandado judicial a busca por objetos em interior de veículo de propriedade do investigado fundada no receio de que a pessoa esteja na posse de material que possa constituir corpo de delito, salvo nos casos em que o veículo é utilizado para moradia, como é o caso de cabines de caminhão, barcos, trailers. Isso porque, nos termos do art. 244 do CPP, a busca nessa situação equipara-se à busca pessoal. HC 216.437-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 20/9/2012. 

DIREITO PROCESSUAL PENAL. ILICITUDE DE PROVA. GRAVAÇÃO SEM O CONHECIMENTO DO ACUSADO. VIOLAÇÃO DO DIREITO AO SILÊNCIO.

É ilícita a gravação de conversa informal entre os policiais e o conduzido ocorrida quando da lavratura do auto de prisão em flagrante, se não houver prévia comunicação do direito de permanecer em silêncio. O direito de o indiciado permanecer em silêncio, na fase policial, não pode ser relativizado em função do dever-poder do Estado de exercer a investigação criminal. Ainda que formalmente seja consignado, no auto de prisão em flagrante, que o indiciado exerceu o direito de permanecer calado, evidencia ofensa ao direito constitucionalmente assegurado (art. 5º, LXIII) se não lhe foi avisada previamente, por ocasião de diálogo gravado com os policiais, a existência desse direito. HC 244.977-SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 25/9/2012.

DIREITO PENAL. CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO. DOLO EVENTUAL.

Os desígnios autônomos que caracterizam o concurso formal impróprio referem-se a qualquer forma de dolo, direto ou eventual. A segunda parte do art. 70 do CP, ao dispor sobre o concurso formal impróprio, exige, para sua incidência, que haja desígnios autônomos, ou seja, a intenção de praticar ambos os delitos. O dolo eventual também representa essa vontade do agente, visto que, mesmo não desejando diretamente a ocorrência de um segundo resultado, aceitou-o. Assim, quando, mediante uma só ação, o agente deseja mais de um resultado ou aceita o risco de produzi-lo, devem ser aplicadas as penas cumulativamente, afastando-se a regra do concurso formal perfeito. Precedentes citados do STF: HC 73.548-SP, DJ 17/5/1996; e do STJ: REsp 138.557-DF, DJ 10/6/2002. HC 191.490-RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 27/9/2012.