Friday, 3 August 2018

Somos contos contando contos, cadáveres adiados que procriam. Ricardo Reis. Fernando Pessoa

Ricardo Reis

Nada fica de nada. Nada somos. [2]

Nada fica de nada. Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irrespirável treva que nos pesa
        Da húmida terra imposta.
Leis feitas, estátuas altas, odes findas -
Tudo tem cova sua. Se nós, carnes
A que um íntimo sol dá sangue, temos
        Poente, porque não elas?
O que fazemos é o que somos. Nada
Nos cria, nos governa e nos acaba.
Somos contos contando contos, cadáveres
        Adiados que procriam.
28-9-1932
Poemas de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. (Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte.) Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1994.
 - 168a.

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